vinho é uma das mais antigas tradições da humanidade, com registros arqueológicos datando a produção da bebida lá para os idos de 9 mil a.C. – o que faz o mais velho registro da literatura, o Épico de Gilgamesh escrito em 2.100 a.C., parecer novinho em comparação. Lembrar disso tudo e entrar pela porta da moderninha Evino é uma experiência curiosa. A sede paulistana da empresa, que vende vinhos importados online, lembra um coworking: espaços comunitários onde se pode trabalhar em qualquer canto – ou puff -, paredes pintadas em cores festivas e estações para se servir de snacks saudáveis. No dia que estivemos por lá, até uma feira de produtos orgânicos teve espaço cativo. As dúzias de garrafas de vinhos agrupadas ao léu pelas mesas de escritório parecem relíquias perto do resto do ambiente.

 Mestre em Administração pela Audencia Business School em Nantes, na França, Olivier Raussin, um dos três CEOs da Evino, é um dos responsáveis pela vibe. Líder de uma empresa de 300 funcionários livres de um dress code formal, Raussin tem espírito irreverente, e confessa ter saído de casa com uma camisa social só porque tinha umas reuniões importantes na agenda. É tudo parte de uma cultura que Olivier e seu time querem expandir na tentativa de democratizar o consumo do vinho no Brasil. Ou se preferir a versão mais eloquente: “Queremos quebrar essa barreira do ‘enochato’”, diz Olivier, imitando um sujeito cheirando uma taça.

Como funciona

Não fica só na brincadeira, claro. “O vinho é um mundo complexo, em termos de país produtor, uva, safra, terroir, é um mercado complicado”, diz Olivier em conversa com a GQ. “E há o posicionamento de conservar essa complexidade, esse mundo cheio de barreiras, é uma estratégia mais tradicional, que eu respeito, mas nós buscamos democratizar”.

A empresa oferece não só site e app por onde consumidores de vinhos podem realizar suas compras, mas também uma curadoria que garante ao comprador um set mais limitado e customizado de opções – e, com sorte, um pouco de motivação extra para fazê-lo experimentar mais rótulos. É uma tarefa que envolve tanto funcionários quanto CEO – atendentes, por sua vez, são treinados a saber indicar vinhos além de resolver problemas técnicos.

Fugir do ‘enochato’ é algo que faz bastante sentido quando você considera que o Brasil não é exatamente um país bebedor de vinho. “O consumo é pouco desenvolvido, nem alcança 2 litros per capita quando está em 11 nos Estados Unidos, 25 no Chile, 45 a 50 na Itália e na França”, explica Olivier.

Em 2012, quando trouxe ao país o braço de um fundo de investimento dedicado a startups de internet que estava tocando na Europa, Olivier enxergou não só no vinho, mas também no e-commerce, espaços de potencial. “O varejo digital no Brasil é pouco evoluído, não representava nem 4% do varejo total”, diz. “Na China já está em 20%, Estados Unidos em 10%, então esse mercado vai dobrar ou triplicar sem dúvida”, reforça o CEO.

Na onda do hype

A Evino espera que o mercado de vinho, que hoje move 8 bilhões de reais, alcance os 10 bi em dois ou três anos. Para Olivier, é um mundo movido pelo hype, e a empresa, que já é a maior importadora de vinhos italianos e franceses do Brasil, se move para aproveitar a onda: para montar inventário,“analisamos os países que representam o luxo – Itália, com Gucci, França, com Chanel e Louis Vuitton – que são os países de desejo, de moda e de cultura”, afirma. É, novamente, aproveitar um gap: o CEO calcula que 80% do vinho consumido no país vem da Argentina e Chile. Quantos destes consumidores podem optar por algo um pouco mais aventureiro?

Sobre o futuro, Olivier crava: não fica só no digital. “Hoje não significa mais nada e-commerce ou varejo, pois o cliente é muito omnichannel, ele tem vários momentos, ele não é 100% online, nem 100% loja física”. A empresa, à moda da Farfetch, atualmente mapeia oportunidades para encontrar clientes fora de browsers e apps, e já está estudando parcerias com restaurantes e bares.

Entre números e conversas sobre o futuro, e poucos dias antes de sua palestra na Wired Conference Retail no próximo dia 6, Olivier não esconde ânimos. Quem sabe um dia vender vinho em bitcoin, por exemplo? “Ontem passei o dia inteiro na Blockchain Festival, e vi um número engraçado: sabe o quanto tem de comprador na bolsa no Brasil? 500 mil. Sabe quanto tem de comprador de criptomoeda no Brasil?”, pergunta logo antes de uma pausa dramática: “um milhão!”

 

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