Potentes e aromáticos, estas bebidas são resultado de um método milenar de maceração das uvas brancas, mas suas diferentes tonalidades têm sabor de novidade.
Os vinhos laranja – chamados assim por sua cor, que varia do amarelo escuro ao âmbar – são como coentro: uns amam e outros odeiam. Difíceis de entender para um iniciante, são vinhos feitos de uvas brancas maceradas com as peles e as sementes, método geralmente usado só na vinificação de tintos. Os sólidos acabam colorindo e flavorizando o líquido, transformando o mosto clarinho, conforme ele vai fermentando, em um vinho mais ou menos alaranjado e com taninos de tinto. Esses vinhos corpulentos e diferentões tornaram-se coqueluche entre sommeliers e bebedores da nova geração. Majoritariamente naturais ou biodinâmicos (feitos sem o uso de pesticidas ou quaisquer aditivos), eles vêm ganhando cada vez mais espaço nas cartas de restaurantes descolados e wine bars de Paris, Nova York, Londres e, mais recentemente, São Paulo e Rio.
O que as pessoas dizem o vinho laranja?
“A primeira vez que experimentei um laranja foi uau!, achei impressionante a paleta aromática”..
“Eles são potentes, têm personalidade e conteúdo”..
A potência vem em boa parte dos taninos liberados pelas peles, e que dão uma sensação de “pegada” na boca. Mas, além disso, quanto mais tempo os laranjas passam macerando mais tendem a ganhar aromas relativamente raros em vinhos brancos, como amêndoas, abricô seco, cogumelos frescos e cera de abelha.
Nessa descrição do vinho há mil tons de cinza. Tem muito produtor que nem mesmo aceita o termo vinho laranja, a começar pelo mais famoso de todos, o italiano Josko Gravner. Ele prefere chamar seus brancos – que passam meses em ânforas de cerâmica enterradas – de âmbar.
Muitos sommeliers acham mais correto usar outro termo: vinhos de maceração, ou, em inglês, skin-contact wines. Até porque se o tempo de maceração for pouco, o vinho não ficará alaranjado e sim amarelo-ouro. “As generalizações são redutoras. Embora menos do que nos tintos e nos brancos, há diversidade de estilos, aromas, sabores e tonalidades”, explica o português Miguel Pires, grande conhecedor dos vinhos naturais e biodinâmicos.
A moda dos laranjas surgiu recentemente, mas eles existem desde a antiguidade.
Na Geórgia, país no Cáucaso onde nasceu o vinho há cerca de oito mil anos, os brancos sempre foram macerados e, por isso, frequentemente tornavam-se alaranjados. Depois de visitar a Geórgia em 2000, o cultuado Gravner passou a vinificar seus brancos à moda ancestral e influenciou seus vizinhos, tanto do lado italiano (Friuli) como do lado esloveno (Brda) da fronteira, que passaram a macerar seus brancos também. Dali a coisa espalhou-se para o mundo. Hoje em dia há produtores famosos de brancos de maceração por toda a parte, como em Portugal (Humus Wines e Anselmo Mendes) e no Chile (De Martino).
Três dos produtores brasileiros de maior prestígio – Domínio Vicari, Era dos Ventos e Vinha Unna – fazem vinhos laranja em pequenas quantidades.
“Quando um enófilo sem muita experiência se depara com esse tipo de vinho se apaixona imediatamente”, diz Morelli. Para ele, isso explica a força que os laranjas estão ganhando no Brasil. Seu último lote de 240 garrafas de Bianchetto do produtor francês La Coste, por exemplo, esgotou-se em dois dias. A sommelière Cássia Campos vê o mesmo fenômeno em seu hypado wine bar Sede 261 em São Paulo. “Antes a gente apresentava como novidade e hoje as pessoas já chegam buscando”, diz. “Além de serem carregados de história, esses vinhos em geral são feitos por produtores interessantes e isso acaba agregando muito à experiência.”
Além de wine bars descolados como o dela, os vinhos laranja costumam aparecer em restaurantes de chefs jovens de cozinha autoral como o Corrutela, em São Paulo, e Lasai e Oteque no Rio. Miguel Pires acha que são vinhos “gulosos e que fazem salivar por causa dos taninos”.
“Os vinhos laranja são muito versáteis, são usados com frequência para menu degustação e quero apenas um vinho, vão bem com carnes brancas e vermelhas (que não tenham molhos pesados), massas, pratos vegetarianos e peixes que não sejam delicados demais”, explica.
O fenômeno laranja ainda restringe-se a um nicho de apreciadores e curiosos. Até mesmo Adolar Hermann, proprietário da importadora Decanter, pioneira na importação deles no Brasil – e representante exclusivo dos icônicos Gravner e Marjan Simcic, admite que “o Brasil ainda é um mercado muito tímido e pequeno”. Outro importador de peso, Ciro Lilla da Mistral não acredita que se tornarão uma grande moda.
Curiosamente, se entre os milhões de vinhos importados eles ainda são uma minoria que só os entendidos enxergam e procuram, entre os nacionais de qualidade eles têm grande presença. “No Brasil os brancos começaram a dar mais certo quando começaram a ser macerados”. O exemplo mais premiado e conhecido é o Peverella da pequena vinícola gaúcha Era dos Ventos. Mas será que então dá para dizer que os laranjas estão virando mainstream? Não! Peculiares, heterogêneos e cheios de personalidade, seguirão sendo vinhos para bebedores curiosos e fãs de produtores pequenos e respeitosos da natureza.
Moda ou não, vale experimentar aventure-se se for capaz! E nós conte aqui.