O momento mais importante da missa católica é a eucaristia. Nesse ritual, o padre comunga o corpo e o sangue de Cristo, representados respectivamente pela hóstia e pelo vinho.
Da mesma forma que ocorre com a hóstia, que deve ser confeccionada de acordo com as normas da Igreja, a produção de vinho para uso litúrgico deve observar tanto a legislação do Ministério da Agricultura como as regras do Código de Direito Canônico, que determina que o vinho de missa “deve ser natural, fruto da videira, puro e sem substâncias estranhas”.
No Brasil, a produção desse vinho data do começo do século passado. São poucas as vinícolas que se dedicam à elaboração de vinhos para missa. No Rio Grande do Sul, Estado que responde por 90% da produção brasileira de vinhos, cinco empresas fornecem para esse nicho de mercado.
O Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) não possui dados oficiais de produção e comercialização de vinho canônico. “Sabemos que a representatividade da categoria é pequena se comparada com outros produtos vinícolas, mas trata-se de um mercado estável”, diz Oscar Ló, presidente do Ibravin.
De acordo com as estimativas da entidade, as empresas do Rio Grande do Sul comercializam perto de 500.000 litros de vinho canônico por ano, em meio a um volume total de 200 milhões de litros de vinhos e espumantes. “Apesar de ser um mercado restrito a um público específico, algumas empresas sabem aproveitar a oportunidade”, avalia Oscar.
É o caso da Vinícola Chesini, de Farroupilha (RS), que produz o vinho canônico desde a década de 1970. Nos últimos cinco anos, a companhia elevou as vendas de vinho canônico em 5% ao ano. Ricardo Chesini, administrador da vinícola, atribui o bom desempenho à nova estratégia de comercialização. “Nós adotamos diversos tipos de embalagens, e isso facilita o transporte” conta. Atualmente, a Chesini vende o vinho canônico tanto nos antigos garrafões de 5 litros como em garrafas de 750 mililitros e em caixas de papelão (conhecidas como “bag in box”) de 3 e 5 litros. Com isso, alcançou 80% do território nacional, abocanhando inclusive mercado de outras vinícolas. E a expectativa para os próximos anos? “Dá para continuar crescendo”, avalia Ricardo.
A Adega Chesini, assim como a maioria das empresas da Serra Gaúcha, é uma vinícola familiar que sempre manteve relação estreita com os padres da região. “Meu avô Felipe era bastante amigo do bispo da época e um dia, em visita a nossa vinícola, o bispo sugeriu que fizéssemos o vinho para a missa.”
Uma pequena escala de vinho canônico começou a ser produzida e, na década de 1980, o produto era vendido somente para os amigos, porque a Chesini ainda não tinha o registro. “Em 2001, buscamos a autorização escrita do bispo e registramos o produto no Ministério da Agricultura”, diz. Hoje, as vendas da Chesini somam 30.000 litros por ano e já respondem por 15% da produção total da vinícola.
Com tradição mais longa no segmento, a Vinícola Salton, de Bento Gonçalves (RS), produz vinho canônico desde a década de 1940. “Atualmente, as vendas da empresa se situam em 300.000 litros do produto por ano”, diz Daniel Salton, presidente da vinícola.
Oitenta por cento do volume produzido pela empresa é comercializado para as paróquias e os 20% restantes para diversos tipos de consumidores, uma vez que o vinho litúrgico se assemelha a um vinho do porto e pode ser harmonizado com sobremesas e doces e também é usado na confeitaria. Na Salton, o produto é elaborado pelo corte de uvas moscato, saint emilion e isabel.
Já a Vinhos Frei Fabiano, de Vila Flores (RS), começou a produzir seu produto litúrgico, conhecido como Vino Santo, em 1954. Lá são os próprios freis capuchinhos que fazem a bebida. Vindos da França, eles chegaram à Serra Gaúcha em 1896 para as missões. A fim de se sustentarem, os capuchinhos passaram a cultivar extensas áreas de vinhedos. Hoje são produzidos cerca de 35.000 litros de Vino Santo por ano, comercializados também em todo o território brasileiro. A vinícola usa a variedade de uva isabel para a produção do seu vinho de missa.
O vinho canônico é um produto que se diferencia por ser rosado, licoroso, doce e produzido com pouco ou nenhum conservante.
Sua graduação alcoólica é alta, entre 16 º e 18 º, adquirida por meio de um longo processo de fermentação, que pode durar anos. A grande concentração de açúcar e de álcool contribui para a conservação do produto, que é consumido lentamente. “Mesmo nas residências, o consumo é lento, pois o vinho é degustado em pequenas doses como aperitivo ou para acompanhar sobremesas”, diz Ricardo Chesini.
Outras duas vinícolas gaúchas que produzem o vinho litúrgico são a Perini e a Don Affonso, que juntas envasam cerca de 1.500 litros por ano. Entre as uvas mais usadas na produção dos diversos produtos comercializados no país destacam-se moscato, alicante, isabel, bordô e saint emilion. Não há uma padronização do produto, mas a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) estuda criar um selo para atestar a qualidade do produto litúrgico.